Eu não sou poeta. Não sou nada além de um punhado de teorias
embaralhadas numa cabeça confusa. Os lábios não ousam dizer o que meus
terminais nervosos teimam sentir, os dedos são lentos demais para transmitir as
frases que se formam cada vez mais rápidas, a história se perde antes do
início. Me pergunto quantos personagens matei quando virei as costas ao sentir
e reneguei as constelações que eclodiam no peito. Pedaços meus que se perderam
nas ruas estreitas do centro.
E existe essa ânsia que nunca adormece, esse desejo crescente e curioso de descobrir o que acontece depois do
ponto final. Penso muito no amanhã, apesar de fugir de retóricas futurísticas.
O futuro me parece uma música antiga, por mais contraditório que soe, uma
música que escutamos anos atrás e já esquecemos a letra, e então ela volta numa
festa qualquer, num rádio qualquer, um domingo qualquer, até recordarmos cada
tom. Tenho medo não ter do que lembrar até o refrão.
A verdade é que sou uma farsa, dito verdades mas é
certo que nada sei. O que há do lado de fora me atrai porque fujo de mim o
tempo todo. Teus olhos são doces mas o mundo é vil, você olha o mundo
e se torna amargo. A contradição está por todos os lados e não é possível
transbordar nada, senão o silêncio. Eu não sou poeta e nem queria ser, não sou
nada além de um punhado de incoerências capazes de formarem frases tão insanas
quanto velozes. Os dedos se perderam mais uma vez, e lá se foi mais um raciocínio.